MAPA e Ministério da Saúde: competências cruzadas e a fiscalização

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Alexandre Panov Momesso
Sanitarista e diretor técnico da Sanity Consultoria e Treinamento

A legislação brasileira que regulamenta a venda de alimentos em especial os parâmetros e critérios de fiscalização destes, muitas vezes não apresentam, aos olhos dos leigos e muitas vezes dos profissionais da área, uma clareza que permite definir de forma transparente a quais órgãos nossos estabelecimentos de fato respondem, isto é, estão sob o âmbito fiscalizatório de qual ou quais órgãos. Neste momento, e para fins desta discussão especificamente, falaremos apenas da fiscalização sanitária, embora saibamos que vários órgãos complementam a fiscalização a que nos submetemos sob os prismas metrológico, ambiental, da segurança do trabalhador etc.

Esta “confusão” é gerada especialmente por uma divisão de competências não tão clara, entre o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e o Ministério da Saúde. A Lei nº. 13.844, de 18 de maio de 2019, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios define como áreas de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no artigo 21:

I – Política agrícola, abrangidos a produção, a comercialização, o seguro rural, o abastecimento, a armazenagem e a garantia de preços mínimos;

II – Produção e fomento agropecuário, abrangidas a agricultura, a pecuária, a agroindústria, a agroenergia, as florestas plantadas, a heveicultura, a aquicultura e a pesca;

III – Política nacional pesqueira e aquícola, inclusive gestão do uso dos recursos e dos licenciamentos, das permissões e das autorizações para o exercício da aquicultura e da pesca;

IV – Estoques reguladores e estratégicos de produtos agropecuários;

V – Informação agropecuária;

VI – Defesa agropecuária e segurança do alimento, abrangidos:

      1. a) saúde animal e sanidade vegetal;
      2. b) insumos agropecuários, inclusive a proteção de cultivares;
      3. c) alimentos, produtos, derivados e subprodutos de origem animal e vegetal;
      4. d) padronização e classificação de produtos e insumos agropecuários; e
      5. e) controle de resíduos e contaminantes em alimentos (BRASIL 2019).

A mesma lei define no artigo 47 como área de competência do Ministério da Saúde:

I – Política nacional de saúde;

II – Coordenação e fiscalização do Sistema Único de Saúde;

III – Saúde ambiental e ações de promoção, de proteção e de recuperação da saúde individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores e a dos índios;

IV – Informações de saúde;

V – Insumos críticos para a saúde;

VI – Ação preventiva em geral, vigilância e controle sanitário de fronteiras e de portos marítimos, fluviais, lacustres e aéreos;

VII – Vigilância de saúde, especialmente quanto a drogas, medicamentos e alimentos;

VIII – Pesquisa científica e tecnologia na área de saúde. (grifo nosso)

Para complementar, a definição do Sistema Único de Saúde (SUS) está na Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências art. 4º, caput: art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda, o art. 6º, inciso I, alínea a, e inciso VIII, da mesma referência legal trazem:

Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I – A execução de ações:

      1. a) de vigilância sanitária;

VIII – A fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano (grifo nosso) (BRASIL 1990).

 

Em 1969, foi editado o Decreto-lei 986 que, em seu art. 3, estabeleceu que “todo alimento somente será exposto ao consumo ou entregue à venda depois de registrado no órgão competente do Ministério da Saúde”. Considerando que lei mais nova revoga lei anterior no que lhe é contrária, desde a edição do Decreto-lei, já se poderia ter deixado de aplicar o dispositivo da Lei n. 1.283/50 que naquele momento dava competência competência ao Ministério da Agricultura. Mesmo considerando que Lei 1283 de 1950 foi atualizada (regulamentada) pelo decreto nº 9.013, de 29 de março de 2017, acreditamos que em nada altera este entendimento (BRASIL 1969).

A Lei n. 7.889, de 23 de novembro de 1989, elenca os órgãos competentes para fiscalização e aplicação da lei e de seu regulamento, sendo que o art. 6 nos traz a seguinte informação: É expressamente proibida em todo o território nacional, para os fins desta lei, a duplicidade de fiscalização industrial e sanitária em qualquer estabeleci- mento industrial ou entreposto de produtos de origem animal, que será́ exercida por um único órgão.” O artigo em questão proíbe que um mesmo estabelecimento seja fiscalizado, para os mesmos fins ou seja, fins sanitários, por dois ou mais órgãos do Estado. Tal texto legal ao nosso ver tem como finalidade maior preservar os estabelecimentos da dúvida de saber a que órgão respondem e, portanto, precisam se adequar (BRASIL 1989).

A Lei n. 8.080 de 1990 também segue nesta direção quando, em seu artigo 7, estabelece, como um dos princípios das ações e serviços públicos de saúde, a “organização dos serviços de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos”, o que parece ser o caso em questão.

Esta confusão parece já fazer parte do cotidiano fiscalizatório brasileiro não havendo consenso nem entre órgãos fiscalizadores. Este fator compromete muito entendimento do empreendedor e, portanto, a adequação à normas, muitas vezes gerando um desestímulo à novos negócios devido a esta insegurança no entendimento.

Esta “sobreposição” de competências deve-se muito ao fato de estabelecimentos varejistas atuarem em grande medida como verdadeiros industrializadores, sendo que este conceito de industrializador não se torna evidente na legislação, ao menos no que diz respeito ao âmbito de fiscalização. E uma vez que não se pode ser duplamente fiscalizado, sendo um estabelecimento um misto de varejista e indústria fica a dúvida: a quem responder? Quem fiscaliza?

Temos percebido que o entendimento que vem sendo adotado na maioria dos casos é que o que pode ser configurado como varejo ou alimentos produzidos no ponto de venda ficam sob âmbito fiscalizatório do Ministério da Saúde, mesmo que sejam produtos de origem animal. Já alimentos de origem animal, vegetal e bebidas (com algumas exceções) que tem como objetivo serem vendidos para serem revendidos por outra empresa ficam sob o âmbito de fiscalização do Ministério da Agricultura. Ainda é uma definição informal e que não aparece de forma explícita no arcabouço legal, mas parece ser um consenso ou ao menos uma tendência de visão a ser adotada.

Necessário ainda lembrar que existem visões e até legislações especificas dentro dos Estados e Municípios, que devem ser levadas em conta. Desta forma é importante que em caso de dúvida consulte uma empresa especializada e ou os órgãos fiscalizadores.

Fica evidente a importância do próprio estabelecimento ter muito bem definido o seu objeto principal, que deve constar do CNAE (Cadastro Nacional de Atividade Empresarial), uma vez que é ele que deve nortear a atividade principal do estabelecimento.

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Brasil. Ministério da marinha de guerra, do exercito e da aeronáutica militar decreto-lei no 986, de 21 de outubro de 1969. Institui normas básicas sobre alimentos. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/inspecao/produtos-vegetal/legislacao-1/biblioteca-de-normas-vinhos-e-bebidas/decreto-lei-no-986-de-21-de-outubro-de-1969.pdf/@@download/file/decreto-lei-no-986-de-21-de-outubro-de-1969.pdf. Acesso em 03 de jun de 2021.

Brasil. Planalto. Lei n. 7.889, de 23 de novembro de 1989. Dispõe sobre a Inspeção Sanitária e Industrial dos Produtos de Origem Animal, e dá outras providências. Legislação. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=33D9F1CF39BC70FA60DF94D8BE5D62A5.node2?codteor=362997&filename=LegislacaoCitada+-PL+6352/2005>. Acesso em 01 de jun de 2021.

Brasil. Planato. lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em 04 de jun de 2021.

Brasil. Planalto. Lei nº. 13.844, de 18 de maio de 2019, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República. Legislação. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13844.htm. Acesso em 02 de jun de 2021.

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